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De Goiânia a Chapada dos Veadeiros de Bike

De Goiânia a Chapada dos Veadeiros de Bike
Foto: acervo pessoal Hebber Sant'Anna
Por Hebber Sant’Anna
Olá, meu nome é Hebber Sant´Anna, atualmente tenho 30 anos. Aprendi a pedalar muito tarde, acredito que com uns 8 ou 9 anos, pra minha época era tarde sim.
Meus amigos aprenderam com uns 6 anos eu acredito, meu irmão arrisco a dizer que com uns 4 anos já sabia pedalar sem as rodinhas, admirava muito isso, a liberdade que isso proporcionava era fenomenal. Dar uma volta no quarteirão sem chegar muito ofegante era demais.
Porém no começo tive muito medo, meu pai até reformou a bike do meu irmão pra eu aprender, mas eu, apesar da admiração achava perigosíssimo fazer curvas, rs. Por fim anos depois peguei uma BMX que meu irmão não usava e pedalei até o trabalho dele na casa dos meus padrinhos o que dava uns 5km de casa, meu irmão ficou assustado quando me viu por lá. Falou até que quando chegasse em casa eu poderia apanhar dos nossos pais e ele estava estava certo, apanhei. Aprendi a pedalar quando desistiram de me ensinar, peguei uma bike aro 26 de um tio na época e comecei a arriscar. Voltas e mais voltas pelo bairro, era mais seguro. Estava ficando legal aquilo tudo.
Por fim tomei gosto pela coisa, e fiz minha primeira viagem aos 12 anos. Foram longos 85km, intermináveis, de Goiânia até Anicuns na casa de uns tios/primos. Até quis desistir quase chegando mas meu pai me encorajou e não deixou morrer ali o, até então, maior desafio da minha vida. Continuei gostando daquilo. Lembro que logo voltei a pedalar até Anicuns novamente, desta vez meu irmão nos acompanhou e depois fiz minha primeira viagem sozinho, agora eram 95km de Goiânia à Piracanjuba e foi muito bacana. A partir dai não parei mais e constantemente pedalava até Piracanjuba, aquilo já não me assustava, toda vez era legal. Até quando era ruim era bom.
Continuei pedalando até meus 19 anos quando comprei minha primeira moto. Eu era o cara da família que as pessoas realmente achavam que não iria abandonar a bike após conseguir a carteira de motorista ao contrário de todos os outros. Mas eu abandonei. Fazia uma viagem por ano, não mais que isso. Em 2012 meu irmão fez umas trilhas com sua bike que acabara de comprar, muito boa, alumínio, grupo bom, roda boa etc. Ficava comentando comigo sobre seus pedais e eu meio que não via aquilo tudo que ele me dizia. Até que um dia ele comprou uma MTB pra mim e falou pra eu pagar do jeito que eu desse conta e eu voltei a pedalar, tranquilo, sem stress. Apenas trilhas de terra, singles e algumas subidas ardidas. Fui me engrenando novamente com aquela idéia. Passei a pedalar com a MTB por alguns lugares em Goiânia. Voltei a viajar, fui para Pirenópolis, dava 125km estava expandindo meus limites e vi a necessidade de uma bike mais leve. Comprei e vendi algumas bikes, hoje estou limpo, parei com esse vício rs.

De Goiânia à Chapada dos Veadeiros

Em 2014 ví um vídeo de uns caras que pedalaram de Brasília-DF até São Jorge-GO e achei surreal. Mais de 200km em cima da bike em um dia só? Fantástico. Me prometi que um dia faria igual. Treinei até achar que conseguiria, resolvi enfrentar o desafio e em 2015 encarei. Como moro em Goiânia, o desafio deveria começar na minha cidade. Seriam 475km de distância total. Planejei quantos dias gastaria, o que levar etc. Cheguei ao consenso que 2 dias de pedal seriam o suficientes afinal era pedalar o trecho para curtir no final, na vila de São Jorge no portal da Chapada dos Veadeiros.
No dia 4 de julho acordei as 4:30h para iniciar o desafio. Saí as 5:30h, com uma mochila de roupas, itens de higiene, géis de carboidrato e um pouco de medo, estava frio. Meu pai e minha namorada me acompanharam nos 15km primeiros até eu sair da cidade, a BR-153 seria nosso caminho até Anápolis. As 6:30h aproximadamente já estava claro. Usei uma jaqueta corta-vento para ajudar e ajudou mesmo, no trevo de Goianápolis as 7:23h após 40km resolvi tirar a Corta-vento pois já não estava aguentando de calor. Não queria acelerar muito pra guardar energia para o outro dia, a média estava em 23km/h em um trecho com bastante subidas até a cidade de Anápolis. Seriam os primeiros 10% da viagem. A partir daí segui pela GO-060 e com 68km pedalados o Sol já era bem presente e o calor começava a incomodar. Daquele ponto para frente eu nunca tinha pedalado pela aquela rodovia, apenas passei de carro e nós que pedalamos sabemos é gritante diferença de sensibilidade do local como paisagem, altimetria e detalhes quando estamos de bicicleta.

chapada dos veadeiros
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
As 9:10h estava passando por Abadiânia, até ali foram 85km e o cansaço começava a aparecer. O Strava não estava cooperando e as vezes perdia o sinal do GPS o que atrapalhava o planejamento. As 10:30h fiz minha primeira parada pra descanso com 115km, aproximadamente 10 minutos pra respirar e tomar um lanche. O dia estava um pouco nublado porém o calor só aumentava então aproveitei para reforçar o protetor solar. A previsão pra chegada em Brasília era as 16h e faltava 100km naquele dia, porém agora cansado e com Sol forte. Com 145km começaram as temidas Sete Curvas, uma série de subidas fortes e com o cansaço acumulado era ainda mais difícil. Neste momento eu já queria parar novamente pra encontrar algo mais sólido para comer pois até então foram só paradas de lanche e os géis de carboidratos que carregava.

Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Com 150km parei no povoado de Engenho das Lajes já dentro do Distrito Federal, procurei algum lugar pra almoçar mas não encontrei. Resolvi comer um churrasquinho que estava muito mal passado mas a fome era tamanha que nem quis reclamar. A partir dali faltavam apenas 65km de pedal pra chegar em Brasília onde iria dormir. O equilíbrio psicológico já era necessário para não perder o ritmo. O clima brasiliense tomava conta e a vontade de chegar também, porém o cansaço era bem forte me deixando pensativo quanto à conclusão da viagem no outro dia já que no domingo seriam 260km de pedal. As 15:10h passei pela Asa Sul e segui rumo ao congresso nacional afim de tirar umas fotos. As 16h cheguei ao local de dormir, no Cruzeiro Novo em Brasília, muito cansado, o Sol havia judiado bastante e como dito a dúvida sobre o dia seguinte era forte. A estratégia era comer bastante e dormir afinal o domingo começaria bem cedo.
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna

Segundo dia de viagem

Dormi relativamente tenso mas descansei bem, acordei animado para o domingo afinal já tinha pedalado quase a metade do desafio. Agora era focar e não tentar atropelar o planejamento, pedalar tranquilo com o objetivo de chegar em São Jorge para curtir aquele lugar maravilhoso. Levantei as 4h e saí as 4:45h. Por Brasília eu nunca tinha pedalado até então e fazer aquilo sozinho e ainda a noite seria tenso. Uma coisa que não estava programado e eu não sou a favor de fazer foi levar algumas bananas que tinha sobrado da compra que fiz no sábado após chegar. Resolvi leva-las de última hora, penduradas na bike. Não gosto dessas gambiarras mas foi uma das minhas atitudes mais corretas que tomei naquele dia. O frio era ainda mais forte que no dia anterior mas superei bem. Passei por Sobradinho e Planaltina e as 6:40h o sol começava a se mostrar. As 7h entrei na DF-345 agora como o último grande desvio antes de chegar a Alto Paraíso, cidade mais famosa quando o assunto é a Chapada dos Veadeiros. A partir dali seriam 175km até lá e mais uns 40km para finalizar até São Jorge, nosso destino final.

Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Estava focado, gosto muito de natureza, cachoeira, trekking e a Chapada dos Veadeiros tem tudo isso, nesse momento eu não queria pensar muito na distância a ser percorrida e sim na recompensa da chegada. Eu não pedalava só com as pernas, a cabeça estava no comando naquela hora. Fiz uma parada para mandar um “alô” para a família, comer umas bananas e segui. O cenário a partir dali já é diferenciado, o clima de natureza é outro, além do mais, o vento estava ajudando um pouco. Aquele trecho é famoso pelo forte vento lateral sentido oeste e não há acostamento em quase que sua totalidade porém já adianto que não tive nenhum susto com motoristas mal educados ou outra coisa.
Só me senti injustiçado quando passavam motos a milhão e eu não via os caras darem uma pedalada, não via escorrer uma gota de suor neles, rs.
As 7:50h já fora do Distrito Federal novamente o Sol já dava as caras. A partir dali eu me convenci que iria até final do desafio, não importando o tamanho do cansaço afinal eu não iria desistir após ter pedalado 300km. As 8:50h cheguei em São Gabriel para agilizar um lanche e repor a água então segui pra São João da Aliança onde almoçaria. Não estava com pressa, a intensão era chegar ao destino final no Domingo não importando o horário porém não queria ficar muito tempo parado. Com 315km e muito calor eu curtia muito o visual da Chapada se fazendo presente cada vez mais. As 10:45h fiz mais uma parada numa sombra de árvore para comer o restante das bananas pois estavam ficando cada vez mais amassadas. A partir destes instantes toda a comida era rapidamente digerida.
As 11:50h cheguei em São João da Aliança para almoçar. Procurei um restaurante que não tivesse aspecto de ser muito caro e me “atraquei”. Questionei se era por quilo ou tinha prato feito e fui informado que poderia ser de qualquer jeito. Eu peguei o meu prato e “fiz” e ao me dirigir para a mesa a atendente pediu para pesar meu prato. Eu havia colocado muito frango, muito arroz, salada, foi realmente um prato bem feito, rs. Quando fiquei sabendo que o PF é a menina do restaurante que fazia eu quase a pedi para eu poder devolver umas coxas de frango com medo do preço que aquilo ficaria. Tive que pesar aquilo tudo. Deu quase 1kg de almoço mas me fez muito bem, foi de grande serventia haja vista que as subidas que me aguardavam não teriam pesar do meu sofrimento. Mandei aquilo tudo para dentro, descansei e as 13h parti ao ataque das tão temidas subidas antes de Alto Paraíso.

Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Seriam 3 seções de subidas sendo a pior ficando para o final além de que o vento havia mudado a direção passando a ventar contra. Após recomeçar o pedal fiz uma parada as 14:05h para retocar o protetor e tomar uma água mais tranquilo. A partir dali me impus a meta de chegar em São Jorge ainda com o dia claro. Olhando de fora parecia fácil pois seriam 4h para percorrer 85km aproximadamente porém em um trecho onde a altimetria seria bem rigorosa, fazendo jus ao nome da próxima cidade. Logo à frente completei 400km totais e o cansaço queria se empossar de mim. Algumas placas indicando aclives tentavam me desanimar porém eu sabia que estava chegando próximo ao meu objetivo e que a recompensa seria impagável. Após a ponte do Rio Tocanzinho há uma subida que tenho certeza que ela estava rindo da minha cara. Eu queria que por algum milagre surgisse uma engrenagem no meu K7 de relação com mais de 45 dentes. O máximo que consegui foi achar uma rara sombra pra tomar uma água, um ar e esperar que os batimentos cardíacos se acalmassem. Nunca precisei descer de uma bicicleta pra empurrar em toda minha vida porém nessa hora não quis saber. Joguei fora o orgulho e caminhei por uns 500 metros aproximadamente. Minha água havia acabado e eu não quis comer os géis de carboidrato para não aumentar a sede pois ainda faltavam 33km para Alto Paraíso.

Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
As 16:25h cheguei em Alto Paraíso, muito esgotado e com uma sede insaciável. Pensei que iria virar a próxima garrafa de água que comprasse em um gole. Comprei e pro meu espanto eu não conseguia bebe-la como havia imaginado. Tomei devagar, pausadamente, foi até melhor assim. Era sinal que eu ainda estava no comando de toda aquela situação. As 16:40h parti para o último trecho do desafio, um pouco mais animado e levando comigo a caramanhola cheia de água e por precaução a garrafa com a água que sobrou. Sai de Alto Paraíso perceptivelmente mais animado que quando cheguei afinal mais 38km e eu poderia descansar, finalmente.
O visual entre Alto Paraíso e São Jorge é de tirar o fôlego. Um misto de campos abertos de cerrado e montanhas pronunciadas. O Sol nessa hora ao invés de dificultar fazia aquilo tudo parecer ainda mais encantador, aquilo me ajudou. Fui mais preocupado em curtir a paisagem e registrar do que propriamente em pedalar. Eu tinha quase 2 horas para pedalar os 38km, sabia que estava sob controle. Pode-se visualizar ali da estrada o Morro da Baleia, o Jardim Maytrea entre outros. As 18h pontualmente cheguei à Vila de São Jorge, muito cansado mas ao mesmo tempo encantado com aquilo tudo, orgulhoso sim porém agradecido pela oportunidade de ter conseguido completar aquele desafio pessoal. Pedalei pelas ruas de terra da vila praticamente só com o embalo da bike até chegar na porta da pousada que havia reservado. Tomei meu banho, fui ao mercado comprar as cervejas pois ninguém é de ferro e voltei para um esperado e merecido descanso com a certeza que voltaria a fazer aquilo tudo novamente pois não foi uma viagem e sim um ritual.

Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
Foto: acervo pessoal Hebber Sant´Anna
O restante da viagem e as visitas aos lugares podem ser acompanhados no vídeo. Se você leu até aqui quero deixar meu muito obrigado e espero ter te motivado a fazer algo parecido. Grande abraço e valeu!

De Goiânia a Chapada dos Veadeiros – Documentário

De Goiânia a Chapada dos Veadeiros – rota do Strava

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