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Cicloturismo: de Curitiba ao Oiapoque!

Cicloturismo: de Curitiba ao Oiapoque!
Montagem: acervo pessoal Fernando Chotguis

Por Fernando Chotguis

Cicloturismo de Curitiba ao Oiapoque!

Meu nome é Fernando Chotguis Rosenbaum, 22 anos, curso a Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Como ocorre com a maioria dos bikers, minhas experiências ciclísticas iniciaram bem cedo: ainda me lembro quando tirei minhas rodinhas de apoio na areia de São Vicente (SP). Pensando que o meu pai ainda estava me segurando, pedalei com segurança por um momento, mas quando virei, dando pela sua ausência, fui ao chão…

Mas o tempo passou, e conheci Hevandro Gonçalves no Encontro Nacional de Comunidades Alternativas, em 1999, quando combinamos de pedalar até o Rio de Janeiro, onde seria realizado o próximo encontro. Alguns meses depois, a Equipe cresceu com a chegada de Claudia Ponestick; proporcionalmente, cresceu a distância: fomos convidados a participar do Festival de Cultura Alternativa em Arembepe (BA).

Com pouca experiência, nenhum patrocínio e muita garra, partimos em direção à Bahia. Foram 45 dias entre o céu e o asfalto, mas tudo ocorreu da melhor forma possível. Concluímos nossa viagem de 2.700km de forma transcendental, com uma grandiosa chegada na Aldeia Hippie de Arembepe, em janeiro de 2000. Além disso, assistimos a semana de Shows na primeira fila e aquele eclipse total da lua cheia que ocorreu no início de 2000. Após o final do festival ficamos na aldeia mais uma semana, e no dia que iria partir tive duas surpresas: tinha sido aprovado no vestibular da EMBAP e a bicicleta que meu irmão me emprestou para fazer a viagem tinha sido roubada! Não tendo dinheiro nem bicicleta, não restou mais nada a fazer. Foi meu avô quem me acolheu por 2 semanas em Ponta Verde, bairro beira mar daquela cidade fantástica que é Maceió (AL).

No ano de 2000, trabalhei e comprei uma bike, a vontade de partir começou a crescer. Elaborei um projeto e levei à algumas empresas, tentando viabilizar um patrocínio para a aventura que foi batizada de Meridiano 50: uma viagem ousada pelo interior do Brasil cortando-o longitudinalmente; partindo do Trópico de Capricórnio alcançando em 50 dias a Linha do Equador em Macapá (AP), rodando 3.500km em minha primeira “Aventura Solo”.

Confesso que a partida foi difícil. Existe uma certa pressão pra você ir e ao mesmo tempo é difícil partir sozinho. Na manhã de 29 de dezembro de 2000, sem acordar ninguém, iniciei minha viagem. Carregava comigo um alforje que tinha uns 30 quilos de equipamento: panela, roupas, material de pintura, remendo de pneu, algumas ferramentas, uma barraca e um saco de dormir. Tendo um apoio da Ticcolor, o qual englobava o gasto em material fotográfico (14 filmes mais a revelação garantida), patrocínio de R$50 (do meu colega da Faculdade, Edson, o “Tako”) e a certeza que tudo o iria dar certo.

De Curitiba ao Oiapoque – Pedal na estrada

Fiz o primeiro dia deixando Curitiba para trás, pedalando empolgado demais até Ponta Grossa 150 km – aprendi que a minha média ideal era de 100km diários. Acordava às 6h, mais tarde tomava um café em alguma padaria. Nos Estados do Norte, com R$ 0,50 é possível se esbanjar – cada pão de queijo, língua de sogra, rosca assada ou frita (é tudo R$ 0,10) o café era sempre gratuito. Concluía dois terços da viagem pela manhã, meio-dia eu parava em algum posto de Gasolina ou Restaurante, já procurando uma boa sombra para o “sagrado cochilo”, deixando minha bicicleta na porta do estabelecimento, “descansávamos” por uns 15 minutos e antes de entrar e explicar minha situação para o gerente: – Bom dia, eu estou vindo de Curitiba, de bicicleta e quero chegar até o Norte, eu tenho pouco dinheiro, e gostaria de saber se o senhor pode me dar um almoço…

Na maioria das vezes eu ouvia:
– Senta aí, sirva-se à vontade, vai querer água, suco ou refrigerante?

Não podia exagerar na quantidade, indo à forra. Mais tarde, meu estômago sofreria trabalhando ao mesmo tempo que minhas pernas! Então dava um belo cochilo de duas horas marcadas no relógio, e quando o sol e a comida estivessem baixado, pegava a estrada até o pôr do sol e o início da noite; às vezes, por mais 20 quilômetros na escuridão para alcançar algum lugar seguro para pousar, e nunca acampando na beira da estrada. Geralmente dormia nos Postos de gasolina, onde tinha total infra-estrutura, banho, tanque para lavar a roupa e lanchonete, onde eu pedia uma marmita ou fazia um mingau de aveia com bolachas. Às vezes eu chegava numa cidade e ficava dando um “tempo para sorte”; esperava algo acontecer, na maioria das vezes conhecia alguém que me convidava para pousar em sua casa, acabava conhecendo a família, conquistando a amizade e no dia seguinte, quando estávamos muito à vontade, chegava a hora de partir!

Curitiba ao Oiapoque
De Curitiba ao Oiapoque. Montagem: acervo pessoal Fernando Chotguis

Na viagem, o meu peso variou de 64 quilos no início para 56 no meio do percurso e se estabelecendo posteriormente em 61 quilos. Em nenhum momento da viagem passei fome. Em trajetos de 70km sem civilização, carregava alguns alimentos de fácil preparo como arroz integral e aveia, também carregava bolacha recheada (juro que é o meu único vício), queijo, goiabada e doce de leite. Além disso, fui sendo presenteado pela viagem principalmente no Triângulo Mineiro. Haviam algumas cidades onde se produziam frutas em grandes quantidades, mas de um só tipo. Parecia que era a conjunção ideal de elementos na terra e clima, os quais faziam as frutas serem de tamanha qualidade. Nesses lugares frutas não faltavam. Existia também muita variedade, muitas frutas regionais como o buriti, jaca, cajá, acerola, seriguela e as várias espécies de manga. Os temperos e acompanhamentos que enriqueciam o feijão eram outra maravilha.

Cinqüenta e três dias entre o céu e o asfalto, rodovias tão compridas que levavam ao céu, cortavam montanhas, atravessavam rios caudalosos e algumas se assemelhavam a um grande rally. Muita vida havia nas estradas, revoadas de tucanos, araras-azuis, periquitos e anús; Falcões e grandes aves de rapina sempre voavam em casal; Tatus, lobos, lagartos e cavalos eram freqüentemente atropelados. Quando avistava de longe um grande animal peludo na estrada, já batia uma tristeza e ao se aproximar, vinha a certeza que estava mesmo morto: um tamanduá – bandeira, do tamanho da minha bicicleta, com garras maiores que meu dedo, tinham hábitos noturnos e eram lentos demais, havia também os tamanduás mirins (cheguei a contar 4 por quilômetro em Tocantins). Uma vez, quando pedalava numa estrada que cortava uma mata fechada, encontrei um mico fêmea, com um ferimento leve, ela estava no meio da estrada desacordada, então trouxe-a para a margem e dei um pouco de água; logo sua pupila se dilatou e ela correu para a mata.

Os Federais, como são chamados os andarilhos, estão por todo o lugar, e formam um verdadeiro povo caminhante, que cruza o Brasil com a sua Boroca (bolsa) ou seu papo de ema (espécie de saco com alça); levando sempre sua cascuda (vasilha) para acondicionar a comida que ganham. Eles têm um vocabulário próprio e dizem que têm propriedades e família, mas escolheram este jeito de viver; conseguem dinheiro pedindo para os caminhoneiros e igrejas, costumam beber e vivem à girar.

Cavaleiros montados sobre rodas são como lendas vivas, sempre se ouve histórias de aventureiros que foram vistos ou passaram por lugares, mesmo há dois ou mais anos ainda são lembrados. As pessoas se identificam com estes seres que procuram a liberdade e a imensidão como os garimpeiros. Elas também sempre contam histórias de suas viagens, mostrando o quanto são aventureiras. Às vezes eu era presenteado com livros, bonés, chapéus, dinheiro, anéis, colares, incenso, pomadas e camisetas como se quisessem viajar comigo, estando presentes em toda a minha jornada.

Recebi muito apoio no caminho. Nos jornais eu era entrevistado e podia explicar minha viagem direito; nas rádios locais me entrevistavam ao vivo; nas prefeituras conseguiam almoço e às vezes pouso. Quando era entrevistado pelas TV’s regionais as pessoas vinham apertar a minha mão e tiravam foto junto comigo, aí eu tinha meus minutos de fama.

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Entendendo que a grande função do cicloturismo é proporcionar a transição entre culturas, numa velocidade em que se possa compreender, eu fiz uma viagem para fora do meu horizonte, mas ao mesmo tempo mergulhei no meu interior; descobrindo a minha relação como o planeta, o tamanho da minha casa, o meu relacionamento com as pessoas que são como irmãos, o meu limite físico e a força do meu instinto de sobrevivência.

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Um dia enquanto eu estava tomando um farto desjejum numa manhã em um hotel 3 estrelas (fiquei em hotel umas 4 vezes, bancados por pessoas da mídia) eu pensei: O que eu estava fazendo era algo parecido com um trabalho de risco, passava o dia todo transpondo horizontes em compridos tapetes negros, alguns trechos em estado totalmente precário, disputando lugar com máquinas movidas a diesel, bufando fumaça preta e pesando mais de 60 toneladas com 10 rodas que se soltam pelo caminho. Tudo isso exigia total atenção, qualquer imprudência seria fatal. Mas o trabalho arriscado tinha a sua compensação – aonde eu chegasse, era rodeado por curiosos que lançavam perguntas, uma em cima da outra: se é uma promessa, uma competição, quantos pneus já gastei, quantos já furou, quantos quilômetros já andei, se eu me comunico com minha família, o que minha mãe disse disto e se eu não tinha medo. Daí eu dizia: – Medo do que minha senhora?
– Ah, medo de tanta coisa que a gente vê na Televisão. As coisas que aparecem na TV são na maioria notícias ruins!

Existe muita gente boa nesse mundo, uma pequena parte é que não presta. Eu ia levando essa esperança para toda a gente, mostrando que as coisas não estão tão ruins como parecem e que a coragem para fazer isso está dentro de cada um – não precisa viajar de bicicleta para ser corajoso!

Marcaram essa viagem, a diversidade, as culturas (riquíssimas), a vegetação (que foi se transformando), e os seres que habitavam as matas… Entendendo que a grande função do cicloturismo é proporcionar a transição entre culturas, numa velocidade em que se possa compreender, eu fiz uma viagem para fora do meu horizonte, mas ao mesmo tempo mergulhei no meu interior; descobrindo a minha relação como o planeta, o tamanho da minha casa, o meu relacionamento com as pessoas que são como irmãos, o meu limite físico e a força do meu instinto de sobrevivência.

Não fiquei sozinho no meio das pessoas, mas senti a solidão na estrada. Mas mesmo quando fazia dezenas de quilômetros sozinho, tive momentos de tremenda alegria e um sentimento raro de amplidão misturado com liberdade. Descobri que isso me faz muito bem!

No final do ano vai ter outra aventura. Penso que será pelo lado do nordeste – pedalar pelo sertão, onde existe muita cultura, história e até sítios arqueológicos.

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