Por Jonas Antônio de Carvalho
A minha história começa com um sonho. Como engenheiro sempre pensei em visitar um país reconhecido pela excelência na engenharia. A Alemanha era meu destino preferido para realizar esse sonho e felizmente em 2008 fui capaz, com muita ajuda é claro, de viajar para lá e ficar durante 1 ano. Sempre gostei muito de pedalar e para fazer a viagem tive de vender minha amada mountain bike de quadro Vicini e grupo Alivio que me acompanhou por um ano em diversos pedais por Brasília. Ficou uma tristeza no coração, mas uma determinação na mente: conseguir uma magrela (bicicleta de estrada modelo antigo de preferência) e pedalar o máximo possível na Alemanha.
Conseguindo uma bicicleta na alemanha
Já na cidade onde eu ia morar durante 1 ano, Augsburg, cerca de 70km de Munich, além de não conhecer ninguém diferente das pessoas que me ajudaram a chegar lá, eu precisava fazer alguma atividade nos meus tempos livres. A busca por uma magrela não durou muito. Certo dia fui surpreendido pela visita de um cara mais velho, muito estranho que não entendia nada de inglês. Ele tentava oferecer ajuda para o que eu precisasse. Comunicação na maior parte feita por gestos e claro uma cena cômica. Depois de muita luta pude fazê-lo entender que gostaria de uma bicicleta. Ele entendeu e ficou de me mostrar algo.
No dia seguinte ele apareceu novamente e me trouxe partes de uma magrela exatamente como eu havia imaginado. Estilo antigo, quadro de aço Cr-Mo, trocadores no quadro. Faltavam algumas peças mas resolvi ficar com ela por 90 euros. O próximo passo seria descobrir como eu ia montá-la sem as peças faltando. Teria de buscar uma loja e talvez comprar peça por peça.
Comentei o fato onde estava a realizar um intercambio e por sorte descobri que um dos chefes era fanático por bicicletas. Ele possuia 15 bicicletas e ficou muito feliz de me ajudar a montar aquela. Como ele mesmo disse, quando era mais jovem, ele sonhava em ter uma bicicleta com grupo Dura-ace, o mesmo grupo das peças de bicicleta que comprei. Eu estava com sorte de ter comprado peças muito boas, o quadro é Ciöcc e isso parecia fazer meu chefe ter boas recordações.
Após algum tempo consegui comprar peças usadas que meu chefe conseguiu e ele mesmo fez a montagem da bicicleta. Fiquei muito empolgado quando a vi inteira pela primeira vez e fui feliz de volta para casa pedalando. Era a primeira vez que eu pedalava uma estrada e ainda estava acostumado com a mountain bike. No meio do caminho, fui subir a calçada ainda em movimento e não percebi um ressalto mínimo que havia. Repentinamente virei por cima do guidão e caí com as mãos no chão e a bicicleta foi quicando durante uma distância considerável. Se eu não tivesse os reflexos desenvolvidos durantes meus pedais com certeza eu havia quebrado o punho, braço e talvez mesmo lesionado minha cabeça seriamente. Foi bom essa queda logo no início pois acendeu o alerta. Deveria tomar cuidado ou poderia botar tudo a perder com uma simples queda de bicicleta. Comprei um capacete logo nos dias seguintes.
De posse da bicicleta comecei meus planos. Estabeleci como meta ir e voltar a Munich no mesmo dia. Seriam mais de 140km, algo que jamais tinha feito antes. Comecei meu treino dando voltas ao redor de Augsburg e contabilizando a quilometragem. Não tinha muito o que fazer então grande parte do meu tempo livre passei pedalando. E como é bom pedalar na Alemanha, eu ficava maravilhado todos os dias com as ciclovias e o respeito aos ciclistas. Ficava impressionado também com pessoas muito idosas que mau pareciam andar, mas que pedalavam e pedalavam muito.
Cicloturismo na Alemanha
Já confiante na minha condição física. Fiz minha primeira viagem longa para fora da cidade. Fui ao Amersee, maior lagoa da Bavária. Fora uns 60km de ida, voltei de trem. Achei a experiência fantástica e desenvolvi uma técnica para me guiar. Comprei um mapa e anotava o nome das cidades num papel e colava no quadro de modo que eu podia pedalar e eliminando cada cidade de modo que soubesse que estava no caminho certo. Me perdi inúmeras vezes e para isso o mapa me ajudava. As vezes perguntava a pessoas na rua. Era impressionante como mesmo nos campos mais distantes da cidade haviam pistas perfeitas para se pedalar. Mesmo em pistas de chão batido. É o paraíso para os amantes de pedal.
Depois de fazer mais pedais planejei algo ousado para mim mesmo. Um amigo estava em Regensburg, aproximadamente 140km de distância de Augsburg. Eu não tinha muito dinheiro e queria aproveitar um feriado para conhecer a cidade. Decidi ir e voltar pedalando. Pelo meu ritmo eu iria tomar aproximadamente o dia inteiro, então tive de me preparar. Lanches e bebida para aguentar o caminho todo totalmente sozinho e sem saber como era. Comprei um mapa novo e me informei com meu chefe sobre o percurso. Eu era incapaz de ir e voltar no mesmo dia, então eu tinha de levar uma pequena mochila com roupas para ficar 2 noites. Dentre os ítens, coloquei uma rapadura, pois temia falta de energia do meu corpo durante o pedal e sabia que o açúcar da rapadura podia me ajudar.
Falando com meus chefes um deles duvidou da empreitada pois estava previsto uma chuva para o mesmo dia. Como sou teimoso isso me serviu para me motivar ainda mais. Decidido, peguei um saco de lixo feito de plástico para me servir de capa de chuva. Amarrei a extensa lista de cidades que eu deveria cruzar na bicicleta e preparei o alarme para 4 da manhã. Acordei em total escuridão e um pouco de chuva e mesmo com muito frio, parti para a viagem de mais de 140km.
Os primeiros quilômetros foram tranquilos pois conhecia o caminho. Os quilômetros seguintes foram desafiadores pois desde as 5 da manhã eu estava sob chuva. Por volta do quilômetro 90, já completamente molhado, comecei a perceber que eu estava muito lento e não raciocinava direito. Acredito que com o frio eu estava começando a ficar meio afetado. Decidi parar e movimentar meu corpo alongado e fazendo polichinelo. Resolvi devorar a rapadura para ter certeza que tinha açúcar no meu sangue que poderia me dar um “gás”. Feito isso pensei em desistir, mas não tinha como, eu já estava no meio do campo perto de uma cidade minúscula, não fazia nem ideia de como eu voltaria para casa sem dinheiro para pagar um ônibus ou um trem. O jeito era continuar por mais 50, 60 quilômetros, também não sabia ao certo a distância porque sempre me perdia um pouco no caminho.
Durante a viagem observei muitas coisas bonitas, os campos de trigo, rios, plantações de lúpulo e as charmosas cidades da Alemanha. Casas pequenas e aconchegantes que parecem vinda de uma caixa de brinquedos. Quando já era de manhã me senti a vontade de parar em algum lugar e pedir um café. Já eram por volta de 9 ou 10 da manhã então haviam alguns estabelecimentos abertos. Foi ótimo receber o café quente no corpo. Me senti renovado e pude continuar tranquilamente. Fiquei muito feliz quando identifiquei que alcançara as margens do rio Danúbio. O mesmo cruza a cidade de Regensburg, portanto era um sinal que bastava seguir a margem que chegaria na cidade. O sol finalmente aparecera e meu corpo começou a se secar. Agora estava confiante que chegaria na cidade e impressionado com a beleza do caminho.
Por fim, após quase 9 horas pedalando sendo que maior parte foi sob chuva, cheguei a Regensburg. Tomei uma cerveja com meu amigo e fiquei surpreso que não adoeci, meu corpo estava realmente saudável. Depois de curtir a cidade e passar mais um dia voltei para Augsbur no terceiro dia. A volta foi inteiramente com sol e portanto o pedal muito menos penoso. Como sabia onde eu estava indo, me senti livre de forçar mais o pedal de modo que percorri a mesma distância com 2 a 3 horas a menos. Só fui prejudicado por um pneu furado no meio do caminho. Até hoje foi a melhor viagem de bicicleta que já fiz.
Como forcei nessa viagem longa senti um pouco o joelho e comecei a maneirar nos meus pedais. Por um tempo pedalei muito pouco. Ainda tinha o objetivo de ir e voltar a Munich em um dia. O inverno estava chegando e mesmo sabendo que não estava na mesma forma de antes quando pedalei os 140km para Regensburg, resolvi ir no último final de semana antes do início do inverno. A ida foi um pouco tranquila, me perdi um pouco. Cheguei em Munich mas estava com cara de que ia começar a chover. Então dei uma descansada, lanchei e resolvi voltar para não correr o risco de pegar a chuva. A volta foi um pesadelo. Diferente da ida em que há sinais claros indicando a direção de Munich a volta não possuía muitas indicações da direção de Augsburg de modo que me perdi várias vezes e após pedalar mais de 30 kilômetros. Estava ficando tenso pois viria a chuva e eu não estava pronto para enfrentar o frio que ela trazia. Tive de pedalar muito forte e me cansei bastante. A paisagem do caminho não era bonita como a outra viagem e portanto não foi muito prazeroso. Consegui retornar de Munich e fiquei muito feliz de ter realizado o tão esperado desejo. Mau podia acreditar que eu havia visualizado o que acabava de fazer. Me senti completamente realizado.
Depois de 1 ano em Augsburg consegui trazer minha bicicleta para o Brasil. ela me traz grandes satisfações. Infelizmente não consegui manter um ritmo de pedal forte onde moro agora, Petrópolis. Ainda penso em voltar a pedalar forte. Eu quero pintar a bicicleta e limá-la bem para guardá-la como recordação. Ainda hoje mantenho algum contato com o Georg, meu chefe que me ajudou a montar a bicicleta. Espero que algum dia eu possa pedalar ao lado do meu filho com a mesma bicicleta.
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Caracas, trabalhei durante nove anos, com diversos engenheiros, imaginava sempre que eram “porra lôca”, mas agora, com seu relato tenho absoluta certeza…kkkkkkkk
Muito legal a sua cicloviagem, durante leitura, pude viajar pelos mesmos caminhos.
Abraços,
Genice