Por Sebastião Filho
O roteiro cicloturístico Caminhos do Imperador, em Alagoas, revive uma expedição histórica realizada por D. Pedro II e sua comitiva imperial, realizada em outubro de 1859, minuciosamente registrada em seu diário e publicado no livro ¨Viagem às províncias do Norte do Brasil¨. O objetivo era conhecer as potencialidades do Rio São Francisco, em especial, a Cachoeira de Paulo Afonso (BA).
A comitiva imperial singrou pelas águas do Velho Chico passando por Piaçabuçu (AL), Penedo (AL), Propriá (SE), Porto Real do Colégio (AL), Traipu (AL), Pão de Açúcar (AL) e Piranhas (AL), de onde partiram, a cavalo, rumo a Paulo Afonso (BA). Esta fantástica viagem inspirou os turismólogos Jairo Luiz Oliveira, Ana Rogatto e Lúcia Regueira a idealizarem esta rota como uma opção turística para a região do baixo e médio São Francisco.
Nosso contato com este roteiro foi através do relato de Sérgio Novis, publicado na Revista Bicicleta, em março deste ano. A ideia ficou arquivada na nuvem memorial até o início deste semestre, quando decidimos marcar a data. Como em outras cicloviagens, nosso foco era o caminho e não o destino.
Caminhos do Imperador – Dia 01
Assim, planejamos minimamente e nos entregamos de corpo e alma ao caminho, cuja primeira etapa foi entre Aracaju (SE) e Penedo (AL), via travessia de balsa entre Brejo Grande (SE) e Piaçabuçu (AL), totalizando 145 km, dia 20.08.2016. Neste percurso destacam-se as belezas naturais do Pantanal de Pacatuba (SE), uma área cheia de lagoas e várzeas, paralela à praia e próxima à Foz do Rio São Francisco.
Participaram desta extraordinária aventura: Alberto Silva, Fernando Barreto, Francisco Dantas, Gilton Melo e eu, Sebastião Filho, todos, membros do Grupo Ciclístico Os Zuandeiros, de Aracaju (SE).
Caminhos do Imperador -Dia 2
Penedo (AL) – Propriá (SE) / 47 km
Mapeamento: Wikiloc / Trilha: Aracaju(SE)-Penedo(AL)
O trecho entre Piaçabuçu (AL) e Penedo (AL), 30 km, é todo asfaltado, com acostamento, e ambos em ótimo estado. Todavia, começar o pedal em Penedo, principalmente se houver condições de dedicar pelo menos um dia para conhecer os atrativos da cidade é também uma excelente opção.
O Imperador tinha razão, Penedo é muito bela a atraente, cujo centro histórico encontra-se bem conservado. Ruas e ladeiras com calçamento de pedras e muitas construções antigas, incluindo igrejas, museus (Paço Imperial, Casa do Penedo), o Teatro Sete de Setembro, o Convento N. S dos Anjos, além da belíssima vista para o rio fazem de Penedo, realmente, a joia do Velho Chico, considerando os padrões de beleza das cidades do interior nordestino. Outra atração que vale a pena é contratar um barqueiro e contemplar o belo pôr do sol sobre as águas do São Francisco.
Saímos do Hotel São Francisco (R$ 76,00/pessoa) por volta das 9h, após um merecido e reforçado café da manhã. De Penedo seguimos em direção a Rodovia AL 110 e depois de cerca de 9 km dobramos à esquerda e iniciamos o pedal numa estrada de terra batida. Aproveitamos este trecho para apreciar, curtir e fotografar o belo cenário que nos acompanhava, sem pressa para chegarmos ao destino. Nesta etapa encontramos muitos povoados (Marizeiro, Cajueiro, Tapera, Crastro etc), o que facilitou o abastecimento de bebidas e lanches. Praticamente não há subidas. No Pov. Xinaré demos uma pausa no pedal para um refrescante e inesquecível banho na prainha.
É bom ficar atento ao caminho, pois não existe sinalização em nenhuma parte do roteiro. As alternativas são baixar o caminho de algum aplicativo disponível na internet e/ou testar o que diz o ditado popular: ¨Quem tem boca vai a Roma¨.
Para se chegar a Propriá (SE) é necessário atravessar a ponte sobre o Rio São Francisco, localizada na BR 101, a qual conecta os Estados de Sergipe e Alagoas. A ponte esta passando por uma obra de duplicação, mas a travessia é tranquila, porque há uma passagem exclusiva para pedestres. Existem várias pousadas e restaurantes no lado sergipano da cabeceira da ponte. Ficamos no Restaurante e Pousada Katty (R$ 50,00/pessoa), onde almoçamos uma deliciosa peixada.
Caminhos do Imperador -Dia 3
Propriá (SE) – Traipu (AL) / 57 km
Mapeamento: Wikiloc / Trilha: CI 2 – Propriá(SE)-Traipu (AL)
Depois do café da manhã seguimos em direção a Porto Real do Colégio (AL) e São Brás (AL), um trecho asfaltado de aproximadamente 16 km, passando por Tibiri, um notável exemplo de concentração dos PIBs alagoano e sergipano. Atenção, em São Brás é preciso decidir qual percurso seguir. No nosso caso optamos por um mais afastado do rio. Todavia, no aplicativo Wikiloc é possível baixar o roteiro do caminho que margeia o São Francisco, considerado o mais clássico desta etapa (Traipu-Penedo, autor Bento Junior). Mais informações sobre esta opção consultar relato de Sérgio Novis, Revista Bicicleta, março 2016.
Mais beleza, muitas fotos, algumas subidas leves, e bastante verde para os padrões do Agreste Nordestino. Isso decorre do fato de termos feito a viagem numa época posterior ao período das chuvas na região. Paramos para almoçar em D. Benedita, no Pov. Mumbaça. Comida simples, caseira, porém muito saborosa (R$ 12,00 / pessoa).
Em Traipu (AL), quando chegamos a Pousada Minha Casa, Sua Casa, muito recomendada pelos internautas, localizada na Av. Beira Rio, D. Dulcinéia, proprietária, não se encontrava. Nosso cansaço nos conduziu para a Pousada Beira Rio, ao lado (R$ 35,00/pessoa, sem café da manhã. Café: R$ 12,00). Não foi uma boa opção. Pousada pouco cuidada, embora a proprietária seja atenciosa: precisamos passar por três quartos e ficamos em um sem ar e sem fechadura na porta (Um pedaço de cordão foi adaptado para tal fim). Fui conhecer a Pousada Minha Casa, Sua Casa: aconchegante, confortável, bem estruturada, enfim, corresponde a ótima reputação.
Caminhos do Imperador -Dia 4
Traipu (AL) – Pão de Açucar (AL) / 71 km
Mapeamento: Wikiloc / Trilha: CI 3 – Traipu(AL)-Pão de Açúcar(AL)
Este trecho foi o mais exigente fisicamente. Não há subidas fortíssimas, ou uma subida de destaque, mas sim, uma sequência de subidas leves e médias, acompanhada de diversos tipos de piso pouco cooperativos para um pedal agradável (pequenas pedras soltas, areia, cascalho etc). Acrescente-se, ainda, a alta temperatura do dia. O Sol castigou muito. Aqui começamos a adentrar no Sertão Alagoano e comprovamos que Euclides da Cunha tinha razão quando asseverou em seu livro Os Sertões: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”.
Como não há sinalização utilizamos o GPS “Quem tem boca vai a Roma”. Paramos para almoçar em Belo Monte (AL), pequena cidade ribeirinha, rodeada por montes, como o próprio nome sugere. O restaurante fica de frente para o Velho Chico e após o almoço aproveitamos para um relaxante banho e a tradicional sesta.
Os próximos 24 km até Pão de Açúcar nos contemplaram com paisagens cinematográficas. Em função da exigência do percurso e de nossa proposta cicloturística chegamos à noite. ¨A vista do Pão de Açúcar é bonita¨, registrou D. Pedro em seu diário ao pernoitar na cidade entre os dias 17 e 22 de outubro de 1859.
Caminhos do Imperador -Dia 5
Pão de Açúcar (AL) – Piranhas / 61 km
Mapeamento: Wikiloc / Trilha: CI 4 – Pão de Açúcar-Piranhas (AL)
Se houver condições vale a pena visitar o Cristo de Pão de Açúcar, inaugurado em janeiro de 1950, com quase 15 metros de altura, incluindo o pedestal, é a principal atração turística do município. Localizado no morro do Cavalete, proporciona uma bela vista de toda a cidade e de algumas comunidades ribeirinhas, a exemplo de Ilha do Ferro e Niterói.
Partimos de Pão de Açúcar às 8:30h, com destino ao Povoado de Entremontes, famoso pela produção de rendas e bordados, localizado 25 km antes de Piranhas. Outro trecho exigente, com várias subidas, algumas fortes, e, acompanhados de muito calor. A beleza do sertão nordestino apresentou-se com toda sua personalidade e intensidade. Quem não conhece precisa conhecer o sertão nordestino para internalizar o que estamos registrando.
A estrada, bastante movimentada, principalmente pelo trânsito de motos, segue por um estradão ate próximo de Entremontes, quando entramos em estradinhas desafiadoras e na altura do km 34 enfrentamos uma descida que dá acesso ao Povoado, a qual merece respeito e cuidado, em face da extensão, declive acentuado, piso muito irregular e cheio de valas.
Almoçamos no bucólico Povoado, apreciando a beleza do São Francisco e fazendo elucubrações sobre julho de 1938. Na outra margem do rio, um pouco acima de onde estávamos, encontra-se a famosa Grota do Angico, local onde o lendário Lampião, sua companheira Maria Bonita, e vários outros cangaceiros foram mortos pela volante comandada pelo Tenente João Bezerra, dia 28 de julho de 1938.
Após nosso tradicional descanso pós-almoço partimos pela estrada principal em direção a Piranhas. Pelas pesquisas feitas no Google existe outro caminho mais próximo ao rio, mas nosso compromisso com horário de retorno a Aracaju (SE) não permitiu desbravá-lo.
Depois de 381 km de pedal, desde Aracaju, cinco pneus furados, nenhum problema mecânico, muita beleza guardada na memória de uma região sofrida, mas de formosura singular, chegamos a Piranhas no final da tarde de quarta, dia 24.08.2016, onde nosso companheiro de pedal, também membro dos Zuandeiros, Nestor Andrei, mais conhecido como ¨Tchê¨ (Sim, ele é gaúcho), já estava nos esperando para retornamos a Aracaju.
Piranhas é uma cidade histórica, as margens do Rio São Francisco, muito charmosa e rica em atrativos turísticos, incluindo bares e restaurantes diferenciados, na qualidade e no preço. Aqueles que não conhecem a região devem dedicar pelos menos dois dias para visitar algumas atrações impressionantemente lindas e únicas, tais como: Museu do Cangaço, Museu de Arqueologia de Xingó, Cânion do Rio São Francisco, Usina Hidrelétrica de Xingó, Grota do Angico (Rota do Cangaço), como também vivenciar um pouco do cotidiano piranhense, incluindo sua vida noturna.
Texto e Fotos: Sebastião Filho
Mais Fotos: http://www.oszuandeiros.com/
Parabéns !! O cicloturismo é uma excelente opção de lazer e cultura!! “Vcs são antes de tudo, ciclistas, fortes”
Vou começar a me programar !!