Por Tomás Dotti
144km De Cunha/SP até Angra dos Reis/RJ pra passar o carnaval em Ilha Grande/RJ
Saí mais tarde do que eu havia planejado. Passei a noite tentando arrumar o freio da minha bike, pois o da frente não funcionava e os dois estavam agarrando na roda. Acabei não conseguindo e decidi ir assim mesmo. Meus freios são hidráulicos, usam óleo e algumas vezes começaram a funcionar depois de algumas bombadas.
Já passava das 8:30 quando comecei a pedalar e era preciso chegar em Angra dos Reis até as 15:30, horário de saída da balsa pra Ilha Grande, onde eu passaria o carnaval. Eu teria que andar bem rápido e fazer poucas paradas pra dar tempo.
Como Cunha já é uma cidade 900 metros acima do nível do mar pensei que não teria tanta elevação antes de começar o trecho de descida. Ledo engano. Rodei muitos quilômetros na marcha mais leve, evitando olhar pra cima, porque sinto que quando vejo o tamanho do morro dou uma desanimada. Prefiro focar nas minhas pernas pra ver se a técnica está boa e enxergar no máximo uns 5 metros à frente, só pra não cair num buraco ou algo do tipo.
Depois de muito suor e cansaço cheguei a Pedra Macela (não foi erro de digitação, é Macela mesmo). Um lugar maravilhoso, onde a estrada é cortada por uma cachoeira lindíssima e que marca o inicio do trecho de descida. Lá encontrei um grupo que vinha de Paraty e me alertaram sobre os perigos à frente. Disseram que em alguns pontos só passava um carro por vez e que não havia proteção separando a estrada das ribanceiras que a flanqueiam.
Me despedi deles agradecendo pelas dicas e apreensivo porque eu teria apenas o freio de trás pra brecar, o da frente, mesmo depois de muitas bombadas, continuava sem funcionar. Mas não tinha o que fazer se não lidar com a situação da melhor forma possível.
Quando voltei pra bike um susto: a sapatilha clipou sem eu querer e me desequilibrei logo em seguida. Caí como um lego grudado numa outra pecinha. Minha bike, no caso. Bati o joelho numa pedra e doeu bastante (o ego e o joelho). Foi meu primeiro tombo depois de começar a usar sapatilha e entre os ciclistas existe a crença de que uma hora isso acontece, é só questão de tempo. Mas justo hoje? Fiquei com medo de não conseguir continuar a aventura por conta disso. Talvez fosse pra evitar algo mais grave. Eu ainda não estava confiante de que conseguiria descer mais de 20 kms de ladeira só com o freio de trás.
Me sentei na pedra que acertei com o joelho torcendo pra não ter fraturado um osso. Estava sangrando, mas não foi um corte, a pele abriu pela pancada mesmo. Rapidamente a dor foi diminuindo. Fiquei animado, seria frustrante demais ter que desistir. Montei na bike, clipei a sapatilha (dessa vez por vontade própria) e continuei.
Pouco antes de começar a descer dei mais umas bombadas no freio da frente e pra minha surpresa ele funcionou. O quê? Dei um grito de felicidade! Se um joelho arrebentado seria um sinal de que eu não deveria prosseguir, o fato do meu freio ter voltado à vida metros antes do inicio da descida só podia significar: Tomás, tamo junto, parceiro! Você vai chegar no seu destino e essa viagem vai ser das melhores que você já fez!
Percorri todo o trecho de descida maravilhado. A estrada ficou ainda mais bonita que antes, repleta de árvores, borboletas, pássaros e a falta de proteção nas laterais acaba por criar diversos mirantes. Queria ter podido passar mais tempo nesse trecho. Mas a descida é tão íngreme que fica difícil reduzir a velocidade.
Chegando em Paraty decidi buscar uma bicicletaria pra um reparo rápido nos freios. Eles continuavam pegando nas rodas, parecia que eu estava carregando alguém comigo. Pedi informação pra três ciclistas que encontrei pelo caminho e todos recomendaram a Bicicletaria do Aladin, que pra minha sorte ficava numa saída da Paraty-Cunha, então nem precisei sair da minha rota. Fui atendido por um ajudante do Aladin que em menos de 10 minutos (e por apenas R$ 5,00) resolveu o problema. Parecia que eu tinha trocado minha MTB por uma speed.
Algumas horas depois, quando eu vi uma placa de um restaurante que servia pato assado a fome apertou e resolvi parar. O joelho estava doendo bastante e aproveitei pra colocar gelo enquanto aguardava meu prato. Coloquei minha motivação à prova depois de terminada a refeição. É bem difícil voltar a pedalar de estômago cheio, embaixo de sol forte e ainda bem longe do destino. Mas bastou pensar nas belezas e nos amigos de Ilha Grande pra preguiça ir embora.
Já era fim de tarde e eu estava bem cansado quando decidi parar e ver no celular quantos kms faltavam pra chegar a Angra dos Reis. Eu não usei o Strava porque fiquei com medo de acabar a bateria e por isso estava um pouco confuso. Apesar disso tinha a convicção de que precisaria pedalar mais no máximo uns 20 kms. Entretanto pra minha surpresa e decepção eu estava a 45 kms do objetivo. Fazendo os cálculos notei que chegaria à noite e teria que contar com a sorte pra encontrar transporte pra Ilha Grande.
Dali em diante foi pura superação. Peguei uma baita chuva, um trecho com muitas subidas e pista estreita. Pensei várias vezes em parar e pegar um ônibus porque não aguentava mais pedalar. Mas nessas horas a frase “a dor é passageira, mas desistir é pra sempre” não sai da minha cabeça e foi ela que me deu forças pra continuar.
O relógio marcava 19:40 quando enfim cheguei a Angra. Dei mais um grito. Dessa vez bem mais forte que quando meu freio voltou a funcionar. A chuva abafou um pouco, mas as pessoas que estavam por perto não entenderam muito bem. Quis muito poder mostrar pra elas (e pra todos os outros que me chamaram de louco quando contei que faria essa viagem) num telão as imagens de tudo que eu havia passado até aquele momento. Lembrei que preciso de uma GoPro.
Eu saí mais tarde que o planejado e muitas coisas aconteceram sem que eu pudesse prever. Mas em nenhum momento tive a pretensão de que tudo ocorresse de acordo com minhas expectativas. Se aventurar rumo ao desconhecido pode parecer assustador e talvez seja mesmo, mas é também uma forma de meditação, de se conectar com o presente e consigo mesmo.
Na foto meu amigo Paulo (que mora na Ilha Grande há 10 anos e que me hospeda sempre que vou pra lá), seu filho Jorge e eu.
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Eu fiz ano passado este percurso de Cunha a Paraty e realmente não é mole não. A subida dá Macela, empurrei a bike o tempo todo. Mas valeu a pena.