Sede do 5º Fórum Mundial da Bicicleta já se esgota com excessos de carros nas ruas, apesar de baixa taxa de motorização da população em relação a outras metrópoles sul-americanas.
por Gil Sotero
Palco da próxima edição do Fórum Mundial da Bicicleta o Chile já constava na minha lista para futuras pedaladas. Quando saiu a decisão que o evento seria realizado no pais andino decidi que era hora de ir lá. Preparamos as dobráveis e seguimos. Ainda no Brasil pesquisei muito sobre o país. Principalmente a cultura da bicicleta em Santiago. No blog Camisa de Chita fiz um relato sobre os preparativos e o que levei na bagagem.
O capital chilena com mais 7 milhões de habitantes e 1,4 milhões de automóveis, como toda grande cidade sul-americana “comprou” o sonho motorizando. Estima-se que até 2025 esse número de automotores duplicará. Durante todos os dias que pedalei por Santiago pude observar engarrafamentos e o estresse dos motoristas santiaguinos. Com 4,5 pessoas por automóvel Santiago aparentemente não devia viver esse gargalo. Essa taxa de motorização é bem menor que cidades brasileiras como São Paulo onde há 1,8 pessoa para cada carro ou BH com 2 para cada 1. A sensação de cidade saturada e que ainda é possível mais carros encontra eco em muitos defensores do aumento da taxa de motorização devido ao fato de apenas 8% do território urbano ser dedicado a vias de trânsito (fonte Vasconcelos).
A realidade porém é que a capital chilena já se encontra em situação crítica devido a suas características geográficas e climatológicas que impedem as partículas solidas, emitidas pelos veículos movidos a combustíveis fosseis, se dissiparem. A cidade como já declarou o jornal El Pais; se afoga em uma nuvem de poluição. Santiago foi de longe a cidade da América do Sul em que a poluição mais me incomodou. E nem precisa subir em qualquer ponto alto da cidade em um dia sem nuvens para ter a dimensão do problema. Ele é sentido pelas vias respiratórias. Junte isso ao fato de um grande número de fumantes (também nunca tinha ido a uma cidade com nível tão alto de nicotina na poluição).
A situação está tão insuportável que o governo chileno já retira 40% do total de automóveis da cidade durante o inverno quando o ar recebe lufadas de poluente devido o uso de lareiras aquecidas a carvão. Já se chegou a suprimir também as lareiras e atividade industrial e as autoridades deseconselha a população a não praticar esportes durante o inverno. Não se assuste ao ver ciclistas pedalando com mascaras.
Anualmente cerca de 500 pessoas morrem devido a poluição na cidade. Some isso ao fato da cidade ser uma das menos ventiladas desse lado dos trópicos.
Cultura da Bicicleta
Vamos falar de coisas boas. Santiago é uma cidade que além de precisar de mais ciclistas é perfeita para pedalar por ser plana na maior parte do território. Uma grande força tarefa está trabalhando para incentivar cada vez mais cidadãos a usarem a magrela.
E quando se fala em ciclistas urbanos Santiago apresenta números invejáveis; 7% das viagens são na bicicleta. Isso representa mais de 500 mil viagens diárias em cerca de 400 km de ciclovias que autoridades locais planejam transformar em 800 ate 2022 (incluindo 140 km em áreas rurais próximas). No site Chilebikes há um panorama das ciclovias no país. De fato foi lá também que pude observar uma presença grande de ciclistas no trânsito da cidade. O material rendeu até um registro a parte já que a maioria dos ciclistas utilizam as bicicletas com roupas casuais em suas atividades cotidianas. Elegi Santiago como a capital Cycle Chic da América do Sul. A presença das mulheres na bicicleta é outro fato na bicicultura da cidade. Há vários dados sobre sua quantidade mas eu considerei por observação que Santiago é também de longe, a capital sul-americana onde mais vi mulheres na bicicleta. Há indicadores que apontam que elas representam 30% entres os ciclistas.
Uma variedade de iniciativas trabalharam para promover a bicicleta entre as garotas como a Macleta um coletivo de mulheres ciclistas que ajudam outras mulheres a pedalar e até a aprender a dar manutenção nas bikes. Muitas dessas inciativas estão listadas no site Bicicultura
Antes de levar a minha dobrável pesquisei bastante os preços para alugar bicicletas por lá. Logo desisti de ir sem bike pois para usar o sistema bike share de Santiago o turista desembolsa 50 reais por diária. Um amigo já tinha me alertado no video que fez quando visitou a cidade. Além disso reparei que os terminais não são bem localizados e fáceis de achar. Pedalei por vários bairros de Santiago e era difícil encontrar os terminais. É um sistema feito para a população local, definitivamente.
É importante ficar atento ao entrar com a sua bicicleta no Chile. O país considera a bicicleta como veículo e não como babagem. Ao entrar a imigração te dará um documento de admissão temporária no país, que deve ser devolvida até 90 dias. Guarde esse papel com o passaporte! Se perdê-lo terá que pagar imposto pela bike. Após esse período eles consideram que se trata de uma importação. Se comprar uma bicicleta no Chile terá também que seguir algumas regras. Consulte-as aqui no site da Aduana do Chile.
Obs; A Receita Brasileira também pode questionar sua bicicleta na volta. Se a bike custou mais de 500 dólares podem te taxar. Se você não possui mais a nota fiscal da bicicleta (para caso te pararem) leve uma bicicleta que tenha comprado que seja abaixo do limite imposto pela receita brasileira (foi o que fiz). Não tive problema algum.
Capacete é obrigatório mas nem todos usam. Eu também não usei. Recentemente o Chile criou novas leis para “incentivar” o uso da bicicleta nos centros urbanos. Dentre as principais obrigações do ciclista estão;
Pedalar a um metro da calçada. Não andar na contramão. Não pegar estradas, rodovias e tuneis sem ciclovias. Faróis, lanternas, campainha, refletores e capacete são itens obrigatórios. Todas as novas regras podem ser consultadas no site Cultura Vial.
Não é possível sair pedalando do aeroporto até a região central pois no trajeto da autopista não há ciclovias. Em compensação entrei tranquilamente com a minha dobrável no bus e desci na estação central de onde fui até o Cerro Santa Lucia, ponto de referência da hospedagem, seguindo a ciclovia.
No metrô as bicicletas são proibidas exceto a bicicleta dobrável, aceita dentro da mala bike. Só usei metrô um dia pois também não é barato e de bike chegava a todo lugar que queria ir. Há estacionamentos seguros em várias estações mas são pagos.
A primeira surpresa que tive foi poder entrar com a minha bicicleta no supermercado e deixá-la estacionada praticamente em frente aos caixas! Na verdade os estabelecimentos em Santiago são super bikefriendlys. Quando não havia bicicletários próximo os donos incentivavam a deixar minha bici dentro do local. Não fui barrado em praticamente nenhum lugar que frequentei. Achei fantástico! Leve sua u-lock e não dê bobeira. Uma bicicleta é furtada a cada 5 minutos lá.
Santiago apresenta uma grande variedade de tipos de ciclovias ainda que muitas não sejam interconectadas. Bidirecionais, unidirecionais, compartilhada, de asfalto, de terra. Para nós bicituristas as vezes pode se tornar uma tremenda confusão e ficamos perdidos pois a sinalização já está um pouco apagada. Porém basta seguir algum ciclista local e já se toma o rumo. Não pense que terá a facilidade das rotas para bicicleta do google maps, o sistema não estava ativado quando fui em janeiro deste ano. Para fazer suas rotas use este mapa. Também não espere gentileza dos motoristas. São tão mal educados e agressivos quanto no Brasil. Há até um estudo que aponta o motorista chileno como o mais violento da América Latina.
Comidas e bebidas
O câmbio não está favorecendo mesmo os brasileiros. Um simples pf no centro de Santiago pode custar facilmente R$ 30,00. A principal dica é fazer a troca de moedas na Calle Augustina e pesquisar antes de trocar pois a diferença pode variar bastante! Outra é fugir dos lugares de turistas onde comidas e bebidas são absurdamente caras. Se quer economizar a melhor dica é frequentar o supermercado e preparar algumas refeições. Outra dica é almoçar nos restaurantes chamados de “Picadas” os menus são mais baratos. Há também muitas lanchonetes e comidas de rua próximo ao Mercado Central (não almoçe no Mercado Central se quiser economizar pois é uma das armadilhas para gringo). Por falar em mercado vá ao Tirso de Molina (esse sim um autêntico mercado frequentado por chilenos) que fica quase em frente ao Mercado Central. Lá comprei vários artigos típicos da cultura mapuche (nativos indígenas do Chile com uma história riquíssima).
Se jogue nos pasteis e comida de rua. No Chile é proibido consumir álcool nas ruas a menos que você esteja sentando na cadeira de uma bar na calçada. Legal né? Por isso sempre que saia levava meu “refrigerante”.
Mesmo que você não seja muito apreciador de vinho vá a uma vinícola para degustar vinho e conhecer um pouco da cultura da bebida que é simbolo do Chile. A dica é visitar propriedades menores onde o atendimento é menos comercial. Na Santa Rita é possível chegar de ônibus ou metrô (não recomendo ir pedalando sozinho). Lá eles possuem o Pedal Bar! Chame os amigos pra se divertir!
Beber nos bares e pubs também exige pesquisa! Por exemplo; no bairro Itália achei as promoções de happy hour melhores. Mas nada supera comprar bebida no supermercado onde vinhos jovens de 2 litros podem custar menos que 13 reais.
Há muitos lugares para se visitar. Baixe o app tripadvisor e marque todas atrações que deseja. Não esqueça de visitar o Parque Bicentenario e subir o Cerro San Cristobal de bici.
Hospedagem
A melhor região para ficar e aproveitar a cidade com certeza é a região central. Perto de tudo e a noite uma delicia para pedalar. Não ligue para os relatos de medo que alguns fazem sobre o centro. Aliás quem pedala já sabe que não temos medo das regiões centrais!
No geral adorei o Chile. Os chilenos são simpáticos e gostam de brasileiros. Fui muito feliz pelas ruas de Santiago e voltarei assim que puder! Aqui um clipe do meu rolê por lá: