Downhill na Estrada da Morte / Bolívia: o pedal que transforma pessoas.

Por Cléber Magalhães Tobias

Eu sabia que não voltaria o mesmo depois desta pedalada, mas não imaginava que seria tanto!

Tudo começou quando eu e mais dois colegas de trabalho resolvemos mochilar pela América do Sul, Argentina-Bolívia-Chile-Peru mais precisamente. Cada qual com seu objetivo. 1) Travessia em Jeep 4×4 do maior deserto de sal do mundo, o Salar de Uyuni no sul da Bolívia; 2) Trekking até Machu Picchu, no Peru; 3) Downhill na estarda da Morte, na Bolívia. Não preciso nem dizer que o terceiro ponto é o que me representa.

Foi um ano de planejamento para pouco mais de 20 dias de viagem. Mais de 15 cidades visitadas com a mesma gana – a busca pelo maior nível de adrenalina que pudesse alcançar. Pesquisamos, economizamos, conversamos muito em nosso grupo de sonhadores. Sim! Grupo. Pois toda viagem, toda pedalada que fizemos não se resumem apenas àqueles que colocam o pé na estrada, ou no pedal. Não podemos esquecer de todos os outros que ficam na expectativa da boa notícia, na apreensão da volta e no contentamento do dever cumprido.

Digo isso, porque no meu caso específico tive um amigo/irmão que esteve sempre ao meu lado na hora do planejamento, um cara excepcional na arte da edição de vídeos, e que estava pronto para fazer todo o trabalho de materialização do que produziríamos ao longo do mochilão. Ele decidiu em não viajar conosco, pois apresentava sérios problemas respiratórios que poderiam comprometer ainda mais sua saúde, pois enfrentaríamos a tão temida altitude boliviana, o que poderia tornar-se um problema para ele.

Mas vamos contextualizar a parte técnica do nosso percurso.

A Ruta de La Muerte

Foto: acervo pessoal Cléber Magalhães Tobias
Foto: acervo pessoal Cléber Magalhães Tobias

A Ruta de la Muerte, ou Estrada da Morte como é mais conhecida por nós brasileiros, é uma antiga rota que liga a cidade de La Paz à Coroico na Bolívia. Famosa pelas perigosas condições de estrutura, a estrada é toda encascalhada com 3 metros de largura, curvas extremamente acentuadas e que oferecem um visual deslumbrante, pois de um lado o ciclista encontra um paredão coberto de vegetação, enquanto do outro, precipícios que podem chegar até 600 metros de altura.

Com esse visual todo o local é muito frequentado por aventureiros do mundo todo, principalmente pelos amantes do ciclismo. As condições climáticas e geográficas deixam a descida muito atraente. O Downhill inicia a mais de 4700 metros de altitude e termina com altitude de 1200 metros. São pouco mais de 70 km de muita velocidade e adrenalina pura. O visual inclui desde picos nevados, onde a temperatura chega tranquilamente abaixo de 0º, até a floresta amazônica boliviana, onde a pedalada termina com um delicioso banho de piscina e uma temperatura ambiente de aproximadamente 30º.

As descidas geralmente são realizadas por empresas especializadas que oferecem toda a estrutura, desde guia profissional, bikes, materiais de segurança, café da manhã, almoço até camiseta e CD com as fotos do percurso.

A tão temida Estrada da Morte chega a ser questionada por muitos, e você certamente ouvirá relatos antagônicos sobre o seu real perigo. O fato é que centenas de pessoas morreram neste local em décadas passadas, hoje em dia a estrada é muito mais utilizada por ciclistas aventureiros do que para trânsito pesado, embora ainda exista trânsito livre neste local.

Mas para mim o que tornou o local emblemático foi a história e expectativa criada em torno deste tão esperado pedal, pois no dia que antecedeu a nossa descida o meu grande amigo/irmão nos deixou, faleceu aos 27 anos. Mesmo ele tendo se precavido em abrir mão da viagem pelas condições climáticas (4700m de altitude), acabou não resistindo o inverno gaúcho de julho/2014. Mesmo abatido, mesmo com o coração apertado resolvemos fazer a descida. Mas desta vez com a certeza que não eramos apenas 3 mochileiros, mas 4! Certamente ele esteve presente conosco naquela descida. Eu costumo brincar que ele não aguentou esperar nossa volta para fazer a edição de todo o material, e preferiu unir-se a nós na tão emblemática Estrada da Morte.

O que me proponho a dizer é que o nosso pedal de cada dia, para muitos é apenas uma loucura de alguém que se propõe percorrer distâncias absurdas de bicicleta enquanto poderia ir de carro, no entanto, o que eles não entendem é que esta é a nossa opção de vida, e o que nos une é o prazer que todo o conjunto nos proporciona.

E afinal, quem volta de uma pedalada da mesma forma que partiu? Eu mesmo já sabia que não voltaria o mesmo, mas não imaginei que este pedal marcaria definitivamente a minha vida!

P.S.: Escrevo este texto apenas 8 meses após a pedalada, sexta-feira, 13 de março, pois hoje meu amigo Diovany Pires completaria 28 anos. O pedal continua sendo uma paixão com sentido cada vez maior para mim… a única diferença é que os vídeos insistem em continuar sem edição…

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O ciclista sem mãos

Por Daniel Dias Auer

Olá amigos primeiramente quero lhes dizer que é uma honra participar. Sou Daniel José Dias Auer, ( O CICLISTA SEM MÃOS ) sou da cidade de Ponta Grossa-PR.

Nasci sem as duas mãos, deficiente físico devido ao talidomida, (um medicamento criado em 1954 na Alemanha, comercializado no Brasil na década de 1970). Este medicamento era receitado pelos médicos para evitar enjoos em gestantes, utilizado também como sedativo. Hoje o talidomida é indicado para o tratamento de doenças como AIDS, lupus; doenças degenerativas. Causando deformidade em várias crianças nascidas naquela época, o medicamento foi proibido no Brasil para mulheres em idade fértil e foi receitado pelo médico da minha mãe, em 1974.

Desde pequeno sou amante de esportes e principalmente ciclismo. Jamais fui tratado como coitadinho pela minha família, muito pelo contrário. Sempre me incentivaram a realizar minhas próprias tarefas e com isso, aprendi a me virar sozinho e fazer de tudo sem depender dos outros – “claro que com certas dificuldades”.

Em todos os aniversários e Natal eu implorava para minha mãe pedindo uma bicicleta de presente. Mas devido a superproteção de mãe e pensando no meu bem estar, ela mesmo com grande aperto no coração sempre procurou me distanciar deste sonho de criança, deixando frustrações até em meu irmão. Porque se ele ganhasse eu também teria direito, e a cada ano que se passava ela sempre encontrava uma boa desculpa para não me dar o tal presente.

Porém na minha época de mulecagem, tempo em que eu morava em Osasco-SP, adorava ficar correndo ao lado dos seus amiguinhos que tinham bicicleta tentando sentir a emoção de como seria estar sentado sobre uma bike, pedalando e sentindo o vento soprar em seu rosto. O tempo foi passando e aos 12 anos, um belo dia quando brincava de  esconder pelas ruas e andando por toda parte foi então que encontrei uma bicicleta jogada em um terreno baldio, ela estava bem velha, suja, enferrujada, sem pneus e com as rodas tortas, e o pior de tudo, sem freios, estava destruída.

Pois então esse foi o grande dia pra mim, teria caído do céu a minha tão sonhada bicicleta, fui pra casa todo sorridente empurrando a bike , mesmo com seus amiguinhos tirando sarro e me dizendo: “Você vai levar esse lixo para casa Daniel?”. Chegando em casa, minha mãe quase caiu de costas quando viu aquilo, somente sendo mãe para saber o que ela pensou naquele momento, e nessa bicicleta velha e destruída foi o que bastou pra eu aprender a pedalar, lógico, depois de muita persistência e inúmeros tombos.

O tempo passou e minha família voltou pra terra natal (Ponta Grossa PR). E aos 33 anos de idade, quando trabalhava em uma Associação de Esportes para Deficientes, com o fruto do meu trabalho que consegui comprar uma bicicleta, sendo que a mesma teve que ser adaptada as minhas necessidades. Não é uma bicicleta própria para viagens, e também foi preciso aprender a fazer manutenção na bicicleta como por exemplo: regular marchas, freio, trocar pneus, etc… pois quando saio para fazer viagens sozinho ou em dias de treinos, acontecem imprevistos, dai então preciso me virar sozinho. Portanto sempre levo na mochila umas ferramentas para não ficar na estrada.

Montagem: acervo pessoal Daniel Dias Auer
Montagem: acervo pessoal Daniel Dias Auer

Em 2006 realizei outro sonho, fiz uma viagem de 350Km com minha bicicleta, de Ponta Grossa-PR pra ir até a cidade de Itajaí / SC. A viagem durou 5 dias deixando minha mãe super preocupada.
Passei por Curitiba-PR, Campo Largo-PR, Joinvile-SC, Barra Velha-SC e finalmente Itajaí-SC. Chegando na cidade de destino, fui recebido pelo Prefeito e a banda da cidade. também lá uma palestra para centenas de pessoas que ali estavam aguardando sua chegada, até ganhei uma bike de presente do Prefeito.

Essa viagem foi de grande importância, pois consegui transmitir uma energia boa por onde passava, juntando muitas pessoas para me conhecer e tirar fotos em restaurantes, postos de gasolina, lanchonetes etc. Eu sempre era arrodeado de pessoas que queriam ver a adaptação da minha bicicleta. E até pediam para dar uma volta nela.

Com isso tudo,” consegui transformar olhares de compaixão, em olhares de admiração”. A primeira viagem foi bem destacado em jornais do Paraná e Santa Catarina. A partir disso passei a ser é convidado a ministrar palestras de motivação em escolas, universidades, empresas etc… “ Sinto-me um herói ao perceber o carinho com que sou tratado em todos os lugares que frequento, e principalmente pelas crianças, e em especial minha mãe, percebi que ela ficou muito orgulhosa de mim, fazendo questão de contar da minha façanha para os meus parentes e amigos de longe quando ligavam ou visitavam minha casa. Meu sonho não parou aqui, em 2008 minha mãe estava doente, e no meu retorno de Itajaí-SC fiz uma promessa de ir até o Santuário Nacional de Nossa Senhora de Aparecida – SP e rezar para que ela se recuperasse de sua doença. Mas infelizmente ela estava com Câncer e faleceu no dia 19 de junho, um dia após o meu aniversário. Então minha promessa foi uma Homenagem para Valderez Dias Auer.

Percorri uma distância bem maior – 822 Km. Essa viagem realizei em 12 dias na estrada, pedalando no calor de 40 graus e distancias de mais de 100 km por dia. Passou pelo centro de São Paulo-SP saindo as 3 :00 AM de madrugada para evitar o trânsito, uma das maiores dificuldades.

Saí de Ponta Grossa no dia 01 de outubro, chegando lá no dia 12 do mesmo mês. Agora estou me preparando para o meu terceiro projeto que será subir a Serra do Rio Rastro em SC, com a altitude de quase 1500 metros, e 20 Km só de subidas. Este desafio vai acontecer mas ainda não tem data definida. Essa será a minha próxima grande aventura, mas dependo de conseguir um patrocínio pra isso.

Meu objetivo é chamar a atenção da população em geral para a prática de um esporte ou alguma outra atividade física, através de um exemplo de superação por parte de um para-atleta, com a intenção de desmistificar qualquer preconceito e mostrar que não existem barreiras quando se tem um objetivo, peço que seja dado oportunidades as pessoas com deficiência, todos podem trabalhar e correr atras dos sonhos.

‘DANIEL DIAS AUER ( TRANSFORMANDO OLHARES DE COMPAIXÃO EM OLHARES DE ADMIRAÇÃO”)

Meus contatos: Facebook – Ciclista Sem Mãos, Daniel Dias Auer
Fone 42 9983-8788

Cicloviagem: Estrada Velha de Santos

Por João Rodrigo Campos

Estrada Velha de Santos e o Caminho do Mar (SP-148) são roteiros que há muitos anos desejava fazer, mas sempre ocorria um compromisso de trabalho, acadêmico ou pessoal que me impedia de percorrer!

Teria alguns dias de folga, e tratei de agendar gratuitamente minha presença na Reserva do Parque Caminho do Mar via internet. Tratei de fazer a manutenção da bicicleta antiga, pois a viagem inspirava realizar cicloturismo “a moda antiga”: bicicleta antiga, mochila, máquina fotográfica… Fiquei feliz, apesar de ter feito muitas expedições de longa distância em bicicleta, essa viagem me tocou pessoalmente muito mais pois tenho ligações de lembranças familiares com a Serra do Mar.

Estrada Velha de Santos
Cicloviagem na Estrada Velha de Santos. Foto: Acervo pessoal João Rodrigo Campos

História familiar/pessoal

Sou descendente de italianos que emigraram para o Brasil na década de 30 em embarcação que saiu da região sul da Itália (Calábria). Avó Apparecida Paradella Campos sempre informou o quanto foi maravilhoso utilizar a Estrada Velha de Santos para ir à praia numa Perua DKW-Vemag Vemaghet Verde na década de 60 toda a família (Avó, Avô, meu Pai e seus 2 irmãos)… Sempre gostei de praia e mesmo já tendo pedalado o litoral paulista, tinha o sonho de realizar essa experiência de percorrer a Estrada Velha de Santos com a bicicleta antiga italiana.

Estrada Velha de Santos

Esse roteiro mapeado têm caráter histórico, um forte trecho de Serra da Região da Mata Atlântica na divisa dos municípios de São Bernardo do Campo e Cubatão. Uma obra inaugurada em 1844, com monumentos datados desde 1922 e primeira estrada de rodagem da América Latina a receber pavimentação de asfalto, com forte traços da cultura portuguesa enraizados na arquitetura, engenharia, azulejos…

Roteiro distância total de 34 km

Iniciando de bicicleta na SP-148 Caminho do Mar por 8km de faixa sinalizada com compartilhamento de via entre pedestres/ciclistas/motoristas, depois entrada do Parque Caminho do Mar prende-se a bicicleta na guarita indo para a entrada da Estrada Velha de Santos percorrendo 18km (ida/descida e volta/subida) passando pela história à céu aberto através de muitas construções do século XX (Pouso Paranapiacaba – Casa de Pedras, Ruínas, Usina Henry Borden de Energia Elétrica, Belvedere Circular, Calçada do Lorena, Fonte de Água de 1931, Rancho da Maioridade, Padrão do Lorena, Pontilhão da Raiz da Serra e o Cruzeiro Quinhentista)… além de tudo isso também pode-se apreciar a Arte em Azulejos herança cultural que portugueses nos deixaram até hoje, sem falar nas 27 cachoeiras espalhadas por todo o percurso onde refresquei a alma após pedalar e caminhar. Na volta ainda há mais 8km de bicicleta pela SP-148 para chegar ao fim podendo se alimentar nos comércios de alimentos, e até mesmo um restaurante flutuante que instalaram no Reservatório Rio Pequeno!!!

Impressionante as emoções/lembranças que locais e viagens menores podem ativar na mente/coração. Mesmo tendo percorrido muitas viagens longas de bicicleta dobrável nova por centenas de quilômetros durante muitas semanas carregado com alforge + barraca… por incrível que pareça, a viagem que mais me marcou foi essa num trajeto “curto”, utilizando uma velha bicicleta com mochila num encontro interior muito profundo e intenso de paz e satisfação num domingo!!!

LINK (fotos, relato, mapa, altimetria…)=
http://joaozinhomenininho.blogspot.com.br/2014/04/brasil-estrada-velha-de-santos-caminho.html

Opções para Hospedagem em Santos – clique aqui

Cicloabraços
Joãozinho

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Pesquisa vai investigar os usos da bicicleta em Belo Horizonte

O Movimento Nossa BH e a BH em Ciclo – Associação de Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte lançaram hoje – 02 de abril de 2015 –  a pesquisa Descobrindo como #BHPedala, que vai investigar os usos da bicicleta em Belo Horizonte.

O lançamento acontece com a disponibilização de um questionário no site www.bhpedala.ga.

usos da bicicleta em Belo Horizonte
#BHPedala

O preenchimento dura cerca de 9 minutos e os interessados tem até o dia 08 de maio para participar.

Segundo os idealizadores da pesquisa, seus principais objetivos são:

  • Compreender como os ciclistas vêem a política de ciclomobilidade em Belo Horizonte;
  • Obter mais informações sobre o perfil do ciclista e dos seus deslocamentos;
  • Avaliar o que os ciclistas acham das estruturas oferecidas na cidade;
  • Saber as estruturas cicloviárias  que as pessoas preferem;
  • Entender as demandas gerais do ciclista belo-horizotino;
  • Levantar dados sobre o conhecimento das pessoas sobre o uso da bicicleta em Belo Horizonte;

 

Ainda segundo os organizadores da pesquisa, ” a iniciativa foi baseada na certeza que Belo Horizonte tem potencial para ir muito além do atual uso da bicicleta como modo de transporte e que a cidade carece de uma base de dados mais ampla para subsidiar as ações dos gestores, da sociedade civil e, sobretudo, das ações conjuntas de ambos”.

A meta é conseguir no mínimo 1.000 respostas. Para isso, a pesquisa conta com o apoio de mais de 25 instituições locais e nacionais para a divulgação, entre elas, o Até Onde Deu pra Ir de Bicicleta.

Eu já respondi, e convido a todos que pedalam em Belo Horizonte a participar também.

Vamos descobrir como #BHPedala e fazer uma cidade mais amiga da bicicleta e dos ciclistas!

 

Pedalando para a vida não parar

Por Carlos Henrique de Andrade

Bom, era 1996, 1997, por aí. A maré pra mim não tava pra peixe, amigo! O banco que eu trabalhava tinha falido e eu me encontrava casado, com três filhos pequenos, e administrando a grana da rescisão. A minha preocupação ia aumentando à medida que as coisas iam ficando mais difíceis.

Nessa época eu fumava. Fumei durante 29 anos, cara! Como eu pude?? Sou músico também. Eu tocava à noite e trabalhava na área financeira desse tal banco no período da manhã/tarde. Vida de músico meu camarada, já viu! Cigarro e bebida é coisa quase que obrigatória pra maioria! Assim era comigo também. Tem neguinho que vai nas drogas também. Mas eu nunca fui bom em vícios. Inclusive nem pra álcool nem pra cigarro, coisas que eu até gostava.

Com a tensão dos problemas se acumulando e consequentemente as dificuldades, maiores a cada dia (depois que o banco faliu eu botei de vez os dois pés na música, loucura total!), comecei a cultivar uma úlcera duodenal vorás. Tinha dia em que durante uma apresentação musical eu saía pra vomitar e/ou evacuar sangue e depois voltar pra tocar! O leite das crianças era o que importava. Na minha cabeça atordoada eu nem me tocava que continuando a beber (só bebidas destiladas sem gelo!) e a fumar em estava literalmente me matando. Meu casamento começou a dar sinais de que não sobreviveria a tantas intempéries e o meu estado de saúde só piorando! Escuta só!

Eu amanhecia injuriado e de mal humor todos os dias! Eu e a “patroa” sempre preocupa e queixosa com toda a razão, hoje eu vejo, discutíamos e brigávamos constantemente. A coisa foi indo, foi indo até que num dia desses assim nós nos desentendemos de vez e nos separamos. Saí de casa com mala e cuia. Me orgulho de nunca ter deixado meus filhos e minha “ex” na mão! Mesmo porque, milagrosamente, após termos decidido seguir cada um o seu caminho eu descolei um trampo! Vendedor de instrumentos musicais! Caí dentro pra caramba! Comecei a ganhar grana e banquei tudo até eles entrarem pra faculdade! Mas isso foi um caminho grande! Não foi da noite pro dia nem foi molezinha não!

Logo que eu recomecei a trabalhar, toda essa situação nova ainda mexia muito comigo. Tinha saudade dos meninos. Me sentia vazio. A minha única companhia era a minha guitarra e a minha úlcera, que naquela altura já se tornara uma “úlcera de estimação”. Foi então que dias depois, despretensiosamente, eu esbarrei com um conhecido. Um porteiro de um prédio da rua em que estava morando, lá no Rocha, subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Papo vai, papo vem, o papo descambou pra bicicleta. Era bicicleta dali, bicicleta pra lá, até uma hora que ele disse que tava vendendo uma bike de 10 marchas, Caloi de corrida. Mas das antigas! De ferro! Meio pesadinha e tal mas bem conservada pra caramba.

Bom! Comprei a “bichinha”! E pô, fiquei felizão! Muito, muito mesmo! Senti a vida meio que voltando e isso me enchia de alegria. O Rocha é um bairro muito próximo à Quinta da Boa Vista, onde fica o zoológico da cidade, o Palácio Imperial, e é um grande parque público hiper arborizado! Comecei a levar o meu filho mais novo pra dar uns passeios por lá, as duas meninas mais crescidas eu levava pra dar um rolé de outra forma porque minha bike não tinha garupa e o meu garoto ia de boa no ferro do quadro adaptado com umas boas espumas que eu colocava. Ele adorava! Começava aí a minha recuperação. A “nossa”, melhor dizendo. Eu, filhos, a “ex”, enfim.

Só foi chato um dia que eu tive uma baita crise de úlcera e acabei internado quatro dias de dieta zero. Aí foi o grande divisor de águas! Nesse dia decidi fechar a boca geral! Parei de comer mal, beber álcool regularmente e tirei cigarro da minha vida! Tudo isso repentinamente! Fiquei pilhadíssimo! Me mordia de tanto estresse! Pensava no que eu tinha perdido. Não no que eu podia ganhar. Uma grande “Zebra” esse pretensioso “aprendiz de cronista” aqui.

E foi um dia de abstinência crônica e estresse lá no alto que sem pensar eu peguei a bike e saí pedalando! Sem rumo mesmo! Era um sábado ou um domingo! Eu estava no Rocha. Pra quem conhece o Rio, peguei a “Ana Neri” na contramão, atravessei a passagem de nível ferroviária, “Vinte e quatro de maio”, “Radial Oeste”, Praça da Bandeira, Presidente Vargas (já no centro da cidade), Rua de Santana, Rua do Riachuelo, Lapa, Aterro do Flamengo, ciclovia da zona sul, Flamengo, Botafogo, Copacabana, Ipanema e Leblon! Mais ou menos aí, pedalando uns, o que?? Uns sessenta, oitenta km?? Quem souber pode ajudar no palpite! De ida! Fora a volta!

Irmão, cheguei no final do Leblon com a cabeça na mão de tanta dor! Era verão no Rio, imaginam?? Quarenta graus! Mas ao mesmo tempo eu estava muito entusiasmado e feliz! Com um bem-estar na alma imenso no peito, apesar da cabeça doendo. E o que foi melhor! A minha agonia e vontade de fumar tinha se desvanecido completamente! Bem, naquele momento compreendi o quanto aquela bike velha estava significando pra minha vida!

Desde então comecei a pedalar grandes distâncias. Voltei à zona sul do RJ outras vezes. Passei a pedalar toda a orla da Barra da Tijuca regularmente, ida e volta sempre. Visitei vários outros bairros do Rio pedalando. Visitar os amigos? Agora era só assim, usando a bike como meio de transporte. Enfim, comecei a me relacionar de uma forma muito especial com esse veículo tão simples e ao mesmo tempo e cada vez mais prazeroso e fundamental na minha vida. Hoje é o meu lazer predileto.

Foto: acervo pessoal Carlos Henrique de Andrade
Foto: acervo pessoal Carlos Henrique de Andrade

A bicicleta me deu um norte, um rumo, posso dizer. Me ensinou que eu posso romper barreiras, ir além. Me ensinou a ser melhor, mais calmo, paciente e menos tenso. Nunca fui um atleta e nunca serei. Minha relação com a bike e com a vida hoje é uma coisa mais contemplativa. De paz de alma. Tenho cinquenta e oito anos. Estou até razoavelmente bem pra idade mas é evidente que já desfrutei de um melhor preparo físico desde a a época em que descobri e coloquei a bicicleta na minha vida. Pedalo hoje na medida do meu possível e defendo um modus vivendi com as bikes incluídas em definitivo nas vidas das pessoas, das cidades e dos países. Com uma bike do lado a gente parece que presta mais atenção nas coisas realmente importantes dessas nossas rápidas existências. Hoje rápidas até demais, não acham? Pra mim ela foi tudo. Um recomeço. Um renascimento.

E pra você??
Por Carlos Henrique de Andrade,

Bacharel em Comunicação Social, Técnico em Computadores, Músico e simpatizante das bikes e de quem usa bikes.

carlos.data@hotmail.com

Pedalando para a Vida

Por Carmelito Ribeiro Dias Junior

Pedalando para a Vida

Sempre fui esportista, aos 6 anos de idade comecei a surfar. Surfava 6 horas por dia todos os dia, competia em outras cidades e já estava conseguindo alguns bons resultados, isso aos 15 anos de idade. Só que aos 9 anos, enquanto assistia ao Fantástico, durante a exibição de trailer do filme “the day after”, o dia seguinte, tive minha primeira arritmia cardíaca, acompanhada de muito terror e pânico. Aos 18 tive a segunda crise dentro de um mar de ondas grandes em Olivença. Aí começou minha derrocada, comecei a deixar de fazer tudo que poderia gerar a maldita arritmia. Vários exames feitos e nenhum problema detectado.

Dos 18 aos 39 vivia em função do suposto problema cardíaco nunca detectado; larguei emprego que tinha que viajar, desisti de concurso público para não morar em outra cidade, parei de competir e viajar para cidades distantes. Quando completei 40 anos, vivia receoso de ter uma arritmia em locais onde não pudesse encontrar socorro, por isso não me afastava muito de casa. Foi quando em uma conversa com um amigo psiquiatra ele diagnosticou o problema que levava a arritmia: transtorno de ansiedade generalizada, gerada pela baixa produção da substância serotonina, que inibe os efeitos nocivos da adrenalina… Em outras palavras, minhas emoções geravam arritmia, pânico e outros sintomas.

Aos 41 anos comecei a pedalar, sempre por perto… As distâncias começaram a aumentar, a confiança também, até mesmo por conta do remédio passado pelo médico, que era um repositor da serotonina. Já pedalava 50km, rodava na média de 33km/h… mas não me afastava muito dos arredores. Um dia marquei um pedal de 120km, Ilhéus x Canavieiras. Amigos e carro de apoio furaram bem na hora. Então resolvi ir sozinho, decisão muito, muito difícil. A cada quilômetro rodado, cada árvore, cada quebra mola, cidade, rio, ladeira, vilarejo, pessoas e carros que passei, era como se uma corrente fosse quebrada. Estava eu ali, sozinho no meio do nada, vento no rosto, 43km/h no Garmin, vencendo os 120 quilômetros.

Pedalando para a vida
Pedalando para a vida. Foto: Acervo pessoal Carmelito Dias

Quando cheguei liguei pra casa, 4 horas apos a saida, gritei muito por ter chegado, mas, muito mais por esta no caminho de volta a vida, com minha SCOTT FOIL 20, e DEUS. Hoje aos 44 anos, planejo minha ida a Salvador, 456km de casa, estou muito empolgado, eu, minha bike e DEUS.